sábado, 4 de junho de 2011

Morre lentamente

Morre lentamente quem não troca de idéias,
não troca de discurso, evita as próprias contradições.
Morre lentamente quem vira escravo do hábito,
repetindo todos os dias o mesmo trajeto e
as mesmas compras no supermercado. Quem não
troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova,
não dá papo para quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu
guru e seu parceiro diário. Muitos não podem
comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem,
e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens
que traz informação e entretenimento, mas que não
deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto
espaço em uma vida.
Morre lentamente quem
evita uma paixão, quem prefere o
preto no branco e os pingos nos is
a um turbilhão de emoções indomáveis,
justamente as que resgatam brilho nos
olhos, sorrisos e soluços, coração aos
tropeços, sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa
quando está infeliz no trabalho, quem não
arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos
conselhos sensatos.
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê,
quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo.
Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio.
Pode ser depressão, que é doença séria e requer
ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda,
e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino:
então um governo omisso pode matar lentamente uma boa
parcela da população.
Morre lentamente quem passa os dias
queixando-se da má sorte ou da chuva
incessante, desistindo de um projeto antes
de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto
que desconhece e não respondendo quando lhe indagam
o que sabe. Morre muita gente lentamente, e
esta é a morte
mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela
se aproxima de
verdade, aí já estamos muito destreinados
para percorrer o
pouco tempo restante. Que amanhã, portanto,
demore muito
para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar
um final repentino,
que ao menos evitemos a morte em suaves prestações,
lembrando sempre que estar vivo exige um esforço
bem maior do que simplesmente respirar.
Marta Medeiros

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