A vida existe no louco
trânsito de cada dia, mas acontece enquanto se deita à sombra de uma jabuticabeira
para ouvir e viver uma musica. A vida
existe quando se oculta o sentir, mas acontece quando nos descobrirmos mais
profundos e intensos do que pensávamos ser, e com isso, estranha e
inesperadamente, desabamos. A vida existe quando aprisionamos lágrimas,
ressentimentos e o passado inteiro num só baú, mas acontece quando esse baú que
é o coração é puro, leve e não tem espaço para essa inutilidade toda. A vida
existe quando trocamos o café no meio da tarde pela pré e inútil ocupação com
um problema que ainda nem existe, mas ela real e justamente acontece enquanto
se toma exatamente aquele café, enquanto se ri, enquanto o coração dança ao
embalo de um samba bom. A vida existe no descaso, mas alegremente acontece no
perfeito momento de brindar a amizade com um copo de whisky. A vida meramente
existe quando amanhece e deixamos as janelas, a cara e a própria alma, ambas
fechadas, mas ela acontece de forma irradiante quando ambas, juntas, são
abertas. A vida existe quando desperdiçamos tudo que é raridade no mundo:
risadas exageradas, drinks com os amigos, amores eternizados no pôr-do-sol,
musica que embala a alma, os desenhos que as nuvens fazem no céu, a natureza,
as paisagens, o vento, a brisa, o sol, o calor humano, a poesia, as rimas
baratas, os rock'n'roll’s na sexta-feira a noite, os olhares que falam, as
falas que gritam, os pássaros no céu, as crianças na rua, os detalhes nas
vielas, mas a vida acontece quando é feito de toda essa raridade e simplicidade
o verdadeiro sentido da alegria, porque a alegria, como já foi dito por algum
sábio ao redor do mundo, não está nas coisas, está em nós. A partir disso vemos
alegria onde quisermos porque quem e o que define a felicidade somos nós e a
nossa capacidade de tornar lei o que o nosso amor disser e quiser, o amor é lei
e a alma é a própria vida, a nossa e a que nós damos à tudo que nos cerca.
Mas, meu caro, se
queres que a vida realmente exploda que nem confete em carnaval, permita ela
acontecer em sua sábia naturalidade, deixa ela sambar, gritar, rolar cachoeira
abaixo, fazer seus próprios solos, chorar todas as lágrimas, morrer cada dia
mais na mesma proporção com a qual se vive, sonhar todos os sonhos e viver cada
molécula de tudo que existe, porque afinal de contas, sentido é algo que a vida
não está preocupada em fazer e, honestamente, cá com meus botões, nem eu estou.
Concluindo com Mário Quintana: "Quem faz sentindo é soldado."
(Kamila Behling)