quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Vida

A vida existe no louco trânsito de cada dia, mas acontece enquanto se deita à sombra de uma jabuticabeira para ouvir e viver uma musica. A vida existe quando se oculta o sentir, mas acontece quando nos descobrirmos mais profundos e intensos do que pensávamos ser, e com isso, estranha e inesperadamente, desabamos. A vida existe quando aprisionamos lágrimas, ressentimentos e o passado inteiro num só baú, mas acontece quando esse baú que é o coração é puro, leve e não tem espaço para essa inutilidade toda. A vida existe quando trocamos o café no meio da tarde pela pré e inútil ocupação com um problema que ainda nem existe, mas ela real e justamente acontece enquanto se toma exatamente aquele café, enquanto se ri, enquanto o coração dança ao embalo de um samba bom. A vida existe no descaso, mas alegremente acontece no perfeito momento de brindar a amizade com um copo de whisky. A vida meramente existe quando amanhece e deixamos as janelas, a cara e a própria alma, ambas fechadas, mas ela acontece de forma irradiante quando ambas, juntas, são abertas. A vida existe quando desperdiçamos tudo que é raridade no mundo: risadas exageradas, drinks com os amigos, amores eternizados no pôr-do-sol, musica que embala a alma, os desenhos que as nuvens fazem no céu, a natureza, as paisagens, o vento, a brisa, o sol, o calor humano, a poesia, as rimas baratas, os rock'n'roll’s na sexta-feira a noite, os olhares que falam, as falas que gritam, os pássaros no céu, as crianças na rua, os detalhes nas vielas, mas a vida acontece quando é feito de toda essa raridade e simplicidade o verdadeiro sentido da alegria, porque a alegria, como já foi dito por algum sábio ao redor do mundo, não está nas coisas, está em nós. A partir disso vemos alegria onde quisermos porque quem e o que define a felicidade somos nós e a nossa capacidade de tornar lei o que o nosso amor disser e quiser, o amor é lei e a alma é a própria vida, a nossa e a que nós damos à tudo que nos cerca.
Mas, meu caro, se queres que a vida realmente exploda que nem confete em carnaval, permita ela acontecer em sua sábia naturalidade, deixa ela sambar, gritar, rolar cachoeira abaixo, fazer seus próprios solos, chorar todas as lágrimas, morrer cada dia mais na mesma proporção com a qual se vive, sonhar todos os sonhos e viver cada molécula de tudo que existe, porque afinal de contas, sentido é algo que a vida não está preocupada em fazer e, honestamente, cá com meus botões, nem eu estou. Concluindo com Mário Quintana: "Quem faz sentindo é soldado."

(Kamila Behling)